Mais de um terço dos estados do
país não divulga a raça das mulheres vítimas de violência. E mesmo entre os que
divulgam, os dados apresentam falhas, já que, em boa parte, o campo aparece
como “não informada”.
Considerando apenas os dados
disponibilizados de forma completa, os números apontam que cerca de 75% das
mulheres assassinadas no primeiro semestre deste ano no Brasil são negras. O
percentual diminui para quase 50%, no entanto do total de vítimas de agressões
cometidas por companheiros em casa e estupros.
Os dados, inéditos, fazem parte
de um levantamento feito pelo G1 com base nos dados
oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
O G1 solicitou as
informações de raça de todas as mulheres que foram vítimas de homicídio doloso
(incluindo feminicídio), lesão corporal em contexto de violência doméstica,
estupro e estupro de vulnerável no primeiro semestre de 2020.
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ANÁLISE DO FBSP: As vidas das mulheres negras importam
· ANÁLISE DO NEV: Os efeitos colaterais da pandemia sobre a
vida das mulheres
·
METODOLOGIA: Monitor da
Violência
O levantamento faz parte do Monitor da
Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo
de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados revelam que:
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10 estados não
divulgam os dados de forma completa (sete não apresentam nenhuma
informação sobre raça e três têm apenas números parciais);
·
Em mais da
metade dos casos de quatro dos cinco crimes pesquisados não consta a
raça (seja porque ela não foi divulgada, seja porque o campo aparece como
‘não informada’)
·
Dos 889 homicídios com
a raça informada, 650 (73%) foram cometidos contra mulheres negras;
·
No caso dos feminicídios,
as mulheres negras representam 60% do total (198 dos 333
crimes em que a raça está disponível);
·
Já nos casos
de lesão corporal, as negras compõem 51% das vítimas em que a
raça é informada;
·
O percentual
das mulheres negras vítimas de estupro é de 52% (1.814
de 3.472 registros)
Por que ter dados de raça?
Segundo as especialistas
consultadas pelo G1, é importante ter dados sobre as raças das
vítimas de violência para entender como os crimes acontecem na prática entre os
diferentes grupos populacionais e para pensar em políticas públicas para grupos
mais ou menos vulneráveis.
“Desde 1996, nós temos o
quesito de raça/cor nos documentos de saúde pública. A gente tem que poder
cruzar isso com as outras variáveis, com as condições de vida que a mulher
estava inserida quando houve a mortalidade para conseguir entender os
contextos”, diz Jackeline Romio,
pesquisadora da Universidade de São Paulo.
A socióloga e consultora Ana
Paula Portella também afirma que entender os perfis raciais é essencial.
“O Brasil é um país de maioria
negra, com 56% da população preta ou parda. E a gente tem um impacto
imensamente desproporcional da violência, assim como a gente tem de outras
vulnerabilidades, sobre essa população negra”, diz Portella.
“Então é essencial que, em qualquer análise
que se faça, a gente procure verificar como o problema se apresenta para a
população branca e para a população negra.”
Os contextos de violência entre
mulheres brancas e negras é diferente, segundo as especialistas, por causa do
racismo institucional e estrutural da sociedade.
“A gente termina formulando políticas
pretensamente universais, que iriam atender a todas as mulheres, mas, na
verdade, a gente termina atendendo só as mulheres brancas. Isso segue reforçando
e reproduzindo a vulnerabilidade das mulheres negras, porque não há políticas
específicas voltadas para as necessidades delas e seus riscos específicos”, diz Portella.
Por isso, a transparência e a
divulgação destas informações raciais são tão importantes.
“Se você não tem evidências, não comprova, não
diagnostica e não pode exigir políticas de correção para essas barreiras”, diz Romio.
Isabela
Sobral e Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, concordam. “A ausência dessa informação sugere uma
cegueira institucional por parte das secretarias de Segurança Pública. Se não
conseguimos ver qual o problema, não conseguimos enfrentá-lo”, dizem. “Que
políticas públicas são essas que protegem apenas parte das vidas que devem ser
preservadas?”
Falta de padronização
As dificuldades, porém, não são
poucas. Além da não divulgação dos dados, a falta de padronização chama a
atenção. Há casos em que “albino” foi considerado uma raça, por exemplo, sendo
que o albinismo é uma doença, e não uma categoria racial.
O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) trabalha com as seguintes opções: branca, preta,
parda, indígena ou amarela.
A maioria dos estados que não
divulgaram os dados afirma que, ou os dados não são preenchidos nos boletins de
ocorrência, ou os sistemas que coletam as informações consolidados não têm
parâmetros para selecionar os dados específicos de raça.
A Secretaria de Segurança Pública
de São Paulo, por exemplo, afirma que, para chegar às informações de raça, “é
necessário checar os dados brutos de boletins de ocorrências”. Segundo a pasta,
porém, a base “apresenta duplicatas e campos em branco e, mesmo eliminados
esses problemas, os números são diferentes dos dados consolidados pela SSP”.
Já o Ceará diz que o campo de
raça não é preenchido para alguns crimes “em razão da subjetividade da
informação, o que gera uma inconsistência nos dados, impossibilitando a geração
de uma estatística fiel ao cenário”.
Vale destacar que as falhas de
preenchimento e a falta de transparência não acontecem apenas para os casos de
crimes cometidos contra mulheres.
Um levantamento do Monitor da Violência sobre letalidade
policial aponta que quase metade dos estados do país também não divulga dados de
raças das pessoas mortas por policiais.
Por isso, Romio defende a
existência de políticas públicas que regulamentem o preenchimento dos campos de
raça/cor no setor de segurança pública. “Precisa
de vontade política de fazer as normas técnicas para que documentos sejam
sistematizados de forma tão perfeita quanto para outras variáveis, como idade e
sexo. Por exemplo, caso a pessoa não preencha o campo de raça, o formulário não
pode avançar.”
Mulheres negras e subnotificação
Mesmo com falhas, os dados disponíveis de raça
mostram um lado já conhecido dos indicadores de violência no país: a maior
parte das mulheres mortas é negra.
Dos
889 casos de homicídios dolosos que apresentam, de fato, informações sobre
raça, 650 (73%) envolvem mulheres pardas ou pretas. Segundo classificação do
IBGE, juntos, pretos e pardos constituem os negros.
Portal de Notícias G1
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